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Massacre em Paris: 11/9 à Francesa?

terça-feira, 13 de janeiro de 2015 |

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A comoção, gerada pelo assassinato da equipe do veículo francês de propaganda Charlie Hebdo, é exatamente o resultado que buscavam os que teledirigiram e executaram a matança. O evento não deve ser diminuído, tem de ser analisado em plena comoção, porque sinaliza o rumo de possíveis outras situações novas. Sobre isso há várias considerações, a saber:

– Deve-se absolutamente repudiar o massacre e, isso, sem maiores discussões. Não há heroísmo em assassinar civis desarmados, nem houve estoicismo naquele massacre. O móvel do crime (se é que as tais caricaturas satíricas de Maomé são o verdadeiro móvel!) não tem qualquer relação com as lutas reais e necessárias do povo oprimido no Oriente Médio. Crime por intolerância religiosa sempre é expressão de fanatismo.

Repudiar esse crime não implica ser islamofóbico. Não é preciso ser antissemita para ser pró-palestinos (só para dar um exemplo). A religião islamista é a que tem maior número de seguidores praticantes em todo o mundo, e 99% dos seguidores dessa fé são pessoas pacíficas que não apoiam nem toleram a violência fundamentalista. É preciso não confundir as coisas.

Muitos dos que apoiamos e defendemos a causa palestina fora do mundo árabe, seguramente somos cristãos ou ateus, e entendemos que a Intifada palestina, mesmo que inclua palavras de ordem “em nome de Alá”, é a luta para restabelecer o direito que os palestinos têm ao próprio território com dignidade; e pelo fim do genocídio obrado pelos sionistas. Ser pró-palestinos absolutamente não nos converte em antissemitas ou antijudeus.

Por isso há o risco de que, por técnicas da propaganda ocidental para ‘vender’ o caso do massacre em Paris, reproduzam-se a islamofobia, a discriminação, a estigmatização e outras perversões que tanto se reproduziram nas sociedades ocidentais a partir do 11/9 de Nova York. É muito importante não confundir as coisas, nesses tempos em que os monstros que o ocidente criou causam desastres sem fim no Oriente Médio, em tempos de “Estado Islâmico” dedicado a empurrar Iraque e Síria para califatos medievais.

O problema não é o Islã, nem o genocídio no mundo árabe. O problema está nas condições que reproduzem o fundamentalismo. Em seus patrocinadores e promotores. Nos interessados em criar inimigos públicos, para justificar aventuras militares, ocupações e ataques militares contra povos e países.

Charlie Hebdo durante anos serviu-se da sátira política, às vezes engraçada, às vezes excessivamente violenta, às vezes muito pretensiosa-arrogante. A revista não publicou críticas só ao fundamentalismo islamista, ou piadas sobre Maomé: aqueles jornalistas também riram da questão étnica, não raras vezes com ofensas contra quem, dentro do Islã, nunca apoiou ou apoiaria qualquer violência. Charlie Hebdo tornou-se especialista em consistente agressão simbólica, sempre teledirigida não contra um pequeno grupo de fanáticos islamistas, mas contra todo o mundo islâmico – que, dentro da comunidade francesa, é minoria étnica que cresceu como grupo marginalizado, resultado das guerras, ocupações e crises no mundo árabe, no Magreb e na África subsahariana, onde as maiorias são islâmicas.

Aqueles jornalistas empregaram recursos como estereótipos e islamofobia para vender seu produto jornalístico dito “satírico”, que sempre irritou muitos.

Mas, sim, também fizeram piadas de outros temas: criticaram a esquerda liberal francesa, a esquerda marxista, os neoliberais, os sociais-democratas... Em resumo, constituíram-se como meio de propaganda cuja única militância política clara foi a sátira por ela mesma (se tal coisa existir!). Mas aquele estilo editorial absolutamente jamais justificaria qualquer assassinato. É absurdo discutir se, por fazerem o que faziam, se justificaria o assassinato.

Na guerra de ideias, palavras e pinceis são armas, e só a consistência de um discurso nvo é capaz de derrubar o discurso antagônico velho. Propaganda se combate com propaganda, mesmo que vez ou outra seja ofensiva, dura, ácida.

Em pleno século 21, marcado pela guerra de informação e opinião, só os fundamentalistas cogitariam de trazer de volta armas medievais. Por mais reacionário, ofensivo, racista, colonialista, homofóbico e intolerante que seja o jornalismo de Charlie Hebdo, tem de ser combatido com jornalismo de democratização, não a tiros.

Charlie Hebdo é veículo de propaganda animado por um grupo de pressupostos esquerdófilos ditos ‘radicais’, ateus, anarquistas e nihilistas. Não é veículo típico da imprensa liberal, embora a imprensa liberal sirva-se hoje da desgraça que se abateu sobre CH para fazer sensacionalismo e autopropaganda enganosa.

Os jornalistas e veículos que tanto se indignaram com o assassinato dos jornalistas de CH calam-se acanalhadamente ante o assassinato continuado de jornalistas no México e na Colômbia. A postura dos jornalistas e veículos na França, hoje, não é confiável. Não faz sentido.

Há em curso uma campanha pelos meios e redes sociais na França, que cria e mantém um estado tal, de comoção nacional, que não se via há anos... porque aconteceu um ato terrorista em plena Europa. E o frenesi midiático não deixa espaço algum para que se reflita sobre as questões realmente importantes, de fundo.

O problema está nas condições que reproduzem o fundamentalismo. Nos que patrocinam o fundamentalismo. Nos interessados em criar ‘inimigos públicos’ para assim justificar aventuras militares, ocupações, invasões, genocídio.

Na França, ganhou espaço nos últimos anos a direita chauvinista, inimiga furiosa dos imigrantes. Claramente marcados pelo racismo, pela islamofobia e pela estigmatização dos imigrantes (declarados “peso demasiado” para uma França em crise), a liderança de alguns nomes vai ganhando corpo. Situação como a que se vê em Paris hoje só gera condições favoráveis para aqueles grupos poderosos, à sombra de gente como Jean-Marie Le Pen e a filha, Marine Le Pen, os quais, se servindo do partido da Frente Nacional, têm possibilidades de galgar o poder político na França.

Como se diz, “De tronco caído, alguns fazem lenha”. Hoje, a campanha “Eu sou Charlie” com epicentro na França, mas já extensiva a vários países, converteu-se em boa oportunidade política para todas as facções do chauvinismo. Os cadáveres dos jornalistas assassinados de Charlie Hebdo, já estão convertidos em andor e porta-bandeira da politiquice direitista.

Esses crimes de intolerância contra Charlie Hebdo (mas, repito, ainda não se sabe se a verdadeira causa dos crimes é religiosa ou ideológica), são pequena mostra das consequências – atenção: das consequências – da longa e sistemática ocupação militar e do continuado genocídio, pelo Ocidente, no Oriente Médio.

São consequência também de vasta coleção de políticas de Estado intolerantes, sem dúvida alguma, que o Estado francês manteve durante os anos recentes contra a população de origem árabe, magrebina, quase todos islâmicos. A conhecida proibição imposta às mulheres islâmicas na França, de vestirem a burka (que mulheres islâmicas usam por vontade própria), a repressão policial seletiva e uma política de intolerância e chauvinismo sustentados pelo mesmo Estado francês, são catalisadores desses e de outros atos de intolerância executados por agentes armados.

Basta cruzar o Mediterrâneo, e ali está a Argélia ainda sob ocupação francesa, e, fazendo-se de cega para essa evidência, a imprensa-empresa torna invisível o fato de que o Ocidente mantém ativa uma cruzada contra o Oriente Médio, e que o colonialismo e o militarismo continuam ativos.

E o que a França poderia esperar, se insiste em armar os jihadistas que mantêm a guerra na Síria?

As cruzadas de nosso tempo, de exércitos regulares e mercenários no Oriente Médio, dos McDonald's, das indústrias culturais e do saque continuado de recursos, só poderiam gerar, como geram, ódio e cada vez mais ódio. Quando o ódio é recíproco, a espiral se reproduz.

Por questões semânticas e, às vezes, por artes de nossos pessoais desvios políticos, não chamamos de “terroristas” os norte-americanos e europeus que violam e assassinam civis inocentes no Oriente Médio. Acontece quase diariamente e não é ‘notícia’ nem gera qualquer indignação ‘jornalística’. Charlie Hebdo é notícia. Não os massacrados, na Síria, por exércitos mercenários. Charlie Hebdo é notícia, não os assassinados pela colaboração dos franceses para os “bombardeios humanitários” contra a Líbia. Por quê? Porque estamos em meio a uma guerra de propaganda pelos veículos que se espera que ofereçam jornalismo, com ativa manipulação da opinião pública global.

Quem foi responsável pelos fatos em Paris? Até o momento em que essa nota foi redigida, sabe-se que os três autores materiais são franceses de origem árabe, dois dos quais são irmãos. Chérif Kouachi, um dos irmãos suspeitos de ter praticado o atentado em Paris já estivera preso, acusado de trabalhar numa rede de recrutamento de yihadistas em Paris, para enviá-los ao Iraque, na primeira metade dos anos 2000. Tanto ele como seu irmão Said Kouachi haviam estado sob vigilância dos serviços secretos franceses. É ‘informação’ que gera muitas perguntas: e... trabalhavam, talvez, para alguma organização na França?

Se Chérif Kouachi recrutava jovens para metê-los no jihadismo no Iraque... para quem trabalhava? Para o Estado Islâmico?

Se o Estado Islâmico é hoje a mais poderosa organização jihadista, que foi criada pelo Ocidente e que se foi consolidando durante anos, precisamente no Iraque... Não estaríamos nós, agora, ante um dos efeitos diretos da política belicista e mercenária do Ocidente no Oriente Médio? Essa pergunta pode chegar, de fato, a ser escabrosa: se o Estado Islâmico trabalha para o Ocidente... parece pelo menos possível que Chérif Kouachi ainda trabalhe para o jihadismo e o Estado Islâmico e, portanto... que trabalhe para o Ocidente. E com que objetivo?

O caricaturista holandês Ruben L. Oppenheimer, na leitura que deu ao evento na França, insinuou uma relação entre o atentado em Paris e os ataques de 11/9 em Nova York, com uma vinheta em que um avião se aproxima de dois lápis desenhados como se fossem as Torres Gêmeas. É muito provável que o ataque contra Charlie Hebdo seja usado pelos agentes do poder na França, Europa e Estados Unidos, como foi usada a comoção pública do 11/9 em Nova York para criar massa crítica de suporte a novas cruzadas no Oriente Médio – a política belicista do Ocidente naquela parte do mundo –, e, consequentemente, a continuada reprodução das causas, que, no longo prazo inflaram as condições de ódio e intolerância já vigentes.

Não nos compete descobrir se foi ataque sob falsa bandeira, evento de provocação para gerar comoção e criar apoio popular para a política de Hollande/Sarkozy, que querem continuar a apoiar a OTAN no Oriente Médio.

Até há cinco anos, a França estava afastada da OTAN. E o reingresso na organização, obra de Nicolás Sarkozy, ainda não conta, até hoje, com apoio dos eleitores franceses, porque, numa economia debilitada desde 2008, com orçamento apertado e submetido a repetidos cortes, aumentar o gasto dos militares, para financiar aventuras dos EUA e da OTAN é coisa contra a qual o público francês sempre reagiu empenhadamente.

Por outro lado, na França, durante os últimos anos, aumentou muito a propaganda belicista do governo para o Oriente Médio pelos veículos da imprensa-empresa. Todos os veículos estão cheios de ‘analistas’ dedicados a conduzir a opinião pública: reina o mais total sensacionalismo, o repetido recurso à “ameaça invisível” islamista, propaganda concentrada contra a “ditadura” de Bashar al Assad na Síria, a repetição incansável do “risco” de um ataque do Estado Islâmico em Paris – tudo isso aumentou muito, depois de o governo francês ter optado por participar na invasão de mercenários contra a Líbia – precisamente o evento que marcou a volta da França para a OTAN.

Toda essa propaganda articulada só tem um objetivo imediatamente identificável: unir toda a sociedade francesa e europeia, toda ela, na política estratégica da OTAN, que se mobiliza mais uma vez consistentemente contra todo o Oriente Médio, em várias guerras por recursos, por posicionamento geoestratégico e para tentar submeter todas as nações ainda dissidentes da ‘ordem unida’ política emanada de EUA-UE.

Sem dúvida, estamos no preâmbulo de outro capítulo da agenda global definida a partir da GGaT, Guerra Global ao Terror, decretada por George W. Bush. Parafraseando Shakespeare: “Há algo de podre em Paris”. E não falamos do material editorial de Charlie Hebdo, nem dos cadáveres de jornalistas mortos. A bocarra do poder político europeu fede. Algo está sendo cozinhado ali. E cheira muito mal.

Traduzido por Vila Vudu

Leia mais:




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Fontes:
Misión Verdad: Masacre en París: ¿Un 11 de septiembre afrancesado?

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